sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Flora

Eu conheço uma menininha com o sorriso mais lindo que eu já vi
Quando eu fico triste
eu penso nela
e o meu dia se enche de flores.
Menininha,
quando você estava na barriga da sua mãe
eu já sabia que você ia ser uma flor,
que ia encher o mundo de sorrisos e pureza.

terça-feira, 30 de setembro de 2014

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Um texto pra uma senhora que tem alzheimer e pensa que eu ainda tenho 14 anos, meu amor.

     Nos últimos tempos eu tenho tido vontade de voltar a ser criança. Como dizia o Renato Russo o mundo anda tão complicado, mas não é exatamente por isso. Sinto saudades principalmente da mulher forte, corada, que adorava usar saltos altos, cabelos tingidos de cobre que falava espanhol e me comprava doces. Me ensinava muitas coisas sobre a vida, me levava pra andar de bicicleta e me deixava sempre escolher um sorvete e eu sempre escolhia o que deixava a língua azul ( também sinto saudades de ter a língua azul), incentivava sempre eu e a minha irmã a brincarmos no quintal. Ninãs vayan a jugar en el pátio! Ela que mesmo sendo 60 anos mais velha que eu até pouco tempo atrás pulava corda sem tropeçar por muito mais tempo que eu e a minha irmã. Também lembro de ir ao Ibirapuera e ela andar o parque todo de vestido montada na minha bicicleta nova, ela já tinha 74 anos e eu morrendo de medo e ela ria de mim. Saudades das artes dela, das roupas de boneca que ela mesma costurava, de quando ela pegava guardanapos e desenhava mulheres com corpos violão nuas. Morria de vontade de desenhar igual a ela, ainda morro, mas quem puxou esse dom foi a Diana minha irmã e não eu. Gostava das histórias dela, das tristes e das felizes. Ela era orgulhosa, mandona, bondosa. Eu adorava abraçá-la. Às vezes eu sinto uma dor lancinante desses tempos. De saudades do jeito dela antes do Alzheimer. Parece que a perdi, eu sei que ela não deixou de existir... ela só está muito cansada. A vida foi um pouco dura com ela. Talvez essa doença horrível tenha vindo em forma de presente, ela só lembra da mãe e das coisas mais alegres da vida dela. O esquecimento às vezes pode vir como dádiva. Saudades do colo da minha vó.   

domingo, 11 de maio de 2014

Murar o medo

  1. O medo foi um dos meus primeiros mestres. Antes de ganhar confiança em celestiais criaturas, aprendi a temer monstros, fantasmas e demônios. Os anjos, quando chegaram, já era para me guardarem. Os anjos atuavam como uma espécie de agentes de segurança privada das almas.

    Nem sempre os que me protegiam sabiam da diferença entre sentimento e realidade. Isso acontecia, por exemplo, quando me ensinavam a recear os desconhecidos. Na realidade, a maior parte da violência contra as crianças sempre foi praticada, não por estranhos, mas por parentes e conhecidos. Os fantasmas que serviam na minha infância reproduziam esse velho engano de que estamos mais seguros em ambiente que reconhecemos.

    Os meus anjos da guarda tinham a ingenuidade de acreditar que eu estaria mais protegido apenas por não me aventurar para além da fronteira da minha língua, da minha cultura e do meu território. O medo foi, afinal, o mestre que mais me fez desaprender. Quando deixei a minha casa natal, uma invisível mão roubava-me a coragem de viver e a audácia de ser eu mesmo. No horizonte, vislumbravam-se mais muros do que estradas.

    Nessa altura algo me sugeria o seguinte: que há, neste mundo, mais medo de coisas más do que coisas más propriamente ditas.

    No Moçambique colonial em que nasci e cresci, a narrativa do medo tinha um invejável casting internacional. Os chineses que comiam crianças, os chamados terroristas que lutavam pela independência e um ateu barbudo com um nome alemão. Esses fantasmas tiveram o fim de todos os fantasmas: morreram quando morreu o medo.

    Os chineses abriram restaurantes à nossa porta, os ditos terroristas são hoje governantes respeitáveis e Carl Marx, o ateu barbudo, é um simpático avô que não deixou descendência. O preço dessa construção de terror foi, no entanto, trágico para o continente africano. Em nome da luta contra o comunismo, cometeram-se as mais indizíveis barbaridades.

    Em nome da segurança mundial, foram colocados e conservados no poder alguns dos ditadores mais sanguinários de toda a história. A mais grave dessa longa herança de intervenção externa é a facilidade com que as elites africanas continuam a culpar os outros pelos seus próprios fracassos.

    A Guerra Fria esfriou, mas o maniqueísmo que a sustinha não desarmou, inventando rapidamente outras geografias do medo: a Oriente e a Ocidente e, por que se trata de entidades demoníacas, não bastam os seculares meios de governação. Precisamos de intervenção com legitimidade divina.

    O que era ideologia passou a ser crença. O que era política, tornou-se religião. O que era religião, passou a ser estratégia de poder.

    Para fabricar armas, é preciso fabricar inimigos. Para produzir inimigos, é imperioso sustentar fantasmas.

    A manutenção desse alvoroço requer um dispendioso aparato e um batalhão de especialistas que, em segredo, tomam decisões em nosso nome. Eis o que nos dizem: para superarmos as ameaças domésticas, precisamos de mais polícia, mais prisões, mais segurança privada e menos privacidade. Para enfrentarmos as ameaças globais, precisamos de mais exércitos, mais serviços secretos e a suspensão temporária da nossa cidadania.

    Todos sabemos que o caminho verdadeiro tem que ser outro. Todos sabemos que esse outro caminho poderia começar, por exemplo, pelo desejo de conhecermos melhor esses que, de um e de outro lado, aprendemos a chamar de “eles”. Aos adversários políticos e militares juntam-se agora o clima, a demografia e as epidemias. O sentimento que se criou é o seguinte: a realidade é perigosa, a natureza é traiçoeira e a humanidade, imprevisível.

    Vivemos como cidadãos, e como espécie, em permanente situação de emergência. Como em qualquer outro estado de sítio, as liberdades individuais devem ser contidas, a privacidade pode ser invadida e a racionalidade deve ser suspensa. Todas essas restrições servem para que não sejam feitas perguntas, como por exemplo, estas: por que motivo a crise financeira não atingiu a indústria do armamento? Por que motivo se gastou, apenas no ano passado, um trilhão e meio de dólares em armamento militar? Por que razão os que hoje tentam proteger os civis na Líbia são exatamente os que mais armas venderam ao regime do coronel Kadafi? Por que motivo se realizam mais seminários sobre segurança do que sobre justiça? Se queremos resolver e não apenas discutir a segurança mundial, teremos que enfrentar ameaças bem reais e urgentes.

    Há uma arma de destruição massiva que está sendo usada todos os dias, em todo o mundo, sem que seja preciso o pretexto da guerra.

    Essa arma chama-se fome.

    Em pleno século XXI, um em cada seis seres humanos passa fome. O custo para superar a fome mundial seria uma fração muito pequena do que se gasta em armamento. A fome será, sem dúvida, a maior causa de insegurança do nosso tempo.

    Mencionarei ainda uma outra silenciada violência: em todo o mundo, uma em cada três mulheres foi — ou será — vítima de violência física ou sexual durante o seu tempo de vida. É verdade que, sobre uma grande parte do nosso planeta, pesa uma condenação antecipada pelo fato simples de serem mulheres.

    A nossa indignação, porém, é bem menor que o medo. Sem darmos conta, fomos convertidos em soldados de um exército sem nome e, como militares sem farda, deixamos de questionar. Deixamos de fazer perguntas e discutir razões. As questões de ética são esquecidas, porque está provada a barbaridade dos outros e, porque estamos em guerra, não temos que fazer prova de coerência, nem de ética nem de legalidade.

    É sintomático que a única construção humana que pode ser vista do espaço seja uma muralha. A Grande Muralha foi erguida para proteger a China das guerras e das invasões. A Muralha não evitou conflitos nem parou os invasores. Possivelmente morreram mais chineses construindo a muralha do que vítimas das invasões que realmente aconteceram. Diz-se que alguns trabalhadores que morreram foram emparedados na sua própria construção.

    Esses corpos convertidos em muro e pedra são uma metáfora do quanto o medo nos pode aprisionar.

    Há muros que separam nações, há muros que dividem pobres e ricos, mas não há hoje, no mundo um muro, que separe os que têm medo dos que não têm medo. Sob as mesmas nuvens cinzentas vivemos todos nós, do sul e do norte, do ocidente e do oriente. Citarei Eduardo Galiano acerca disto, que é o medo global, e dizer:

    “Os que trabalham têm medo de perder o trabalho; os que não trabalham têm medo de nunca encontrar trabalho; quando não têm medo da fome têm medo da comida; os civis têm medo dos militares; os militares têm medo da falta de armas e as armas têm medo da falta de guerras.

    E, se calhar, acrescento agora eu: há quem tenha medo que o medo acabe.
  2. ( Mia Couto)

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Pequenina

Cada vez que te vejo você vai parecendo diferente
seus tracinhos vão virando traços um tanto maiores a cada dia
seu sorriso é lindo
seu brilho no olhar
quando você brinca com as suas bonecas 
e eu me sinto orgulhosa de ver como você vai se desenvolvendo
e ficando cada vez mais inteligente
Eu não sei o quão inteligente você é para a sua idade
nem me interessa saber
você parece um ser inédito
de beleza que me comove
não me importa o que as outras pessoas acham
eu fico tão feliz de poder te ver todos os dias
você me faz feliz por existir

Anhangabaú que significa rio dos malefícios do diabo

Faz tanto tempo que não escrevo que já nem sei mais o que escrever... escrever é um exercício tão complexo como sentir. Mas já que comecei a escrever vou continuar até que as minhas mãos se cansem e falte completamente o assunto. Acordo às 6h, eu falo às 6h, mas que eu me lembre nunca mais acordei antes das 6h30, ás vezes um fiozinho de esperança acorda comigo, ás vezes ele não acorda, fica bem dormido, mas só dormido, em alguma parte do dia em que a coisa realmente aperte, o fiozinho acaba acordando de vez. Nesse momento, que nem importa que momento é, porque depois de um tempo eu vou esquecendo quais eram os momentos, ficam só as sensações e algumas saudades apertadas de coisas boas e bobas... como as tardes de sol que eu passava quando tinha 16 anos, não que faça muito tempo, mas 5 anos é um tempo e o tempo anda passando. Quem sabe daqui 5 anos... Como eu dizia nesse momento estou trabalhando no Anhangabaú, não importa o que eu faço e qual o nome da empresa, trabalho lá. Se alguém ler isso ou se não ler também saiba: o Anhangabaú tinha tudo para ser lindo e não deixa de ser, mas especificamente não é, o centro de São Paulo é esse misto de dor, tristeza, realidade, beleza entrelinhas, cheiros completamente opostos e desagradáveis entre si, pobreza, miséria e turismo, marco zero... Acordo todos os dias e a realidade é que eu vejo muita dor, cheiros humanos, pessoas viciadas em crack e um caminhão da prefeitura que passa e joga água em tudo ( aliás se você um dia der de cara com esse caminhão, se não quiser tomar um segundo banho, não fique na frente dele), eu subo e isso dói, corrói, mas eu subo, depois eu esqueço, gostaria de não esquecer, ou fingir que esqueci, mas me consolo dizendo: se você continuar fazendo Psicologia ainda vai poder fazer algo por essas pessoas? Será que vou mesmo? Eu fico me perguntando, por que eu não faço agora? Por que trabalho apenas para pagar a faculdade? O fiozinho de esperança estremece. Me contento muitas vezes que ele não tenha morrido. Ele pulsa. Um dia desses eu paro de ser essa contradição.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Quem sabe?

Eu subiria aquele muro e correria muitos quilômetros, tantos que eu não sentiria mais as pernas de tanta pulsação. Eu nadaria muitas braçadas de mar eu correria contra o vento. Eu sorriria para todas as pessoas que eu visse, eu me resolveria com o espelho. Eu desculparia tudo. Eu teria a fórmula para os problemas. Eu trabalharia como mergulhadora. Eu viajaria sem ter para onde voltar e nem onde ficar. Eu ficaria mais tempo sem fazer nada. Olhando apenas as estrelas. Um dia, antes de eu morrer, vou fazer tudo que eu sempre quis.